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domingo, março 21, 2004

PROSTÍBULO TELEFÔNICO

 
O colega Xico Sá, da Folha de S. Paulo, escreveu artigo para a edição de hoje da Revista da Folha sobre os anúncios de profissionais do sexo nos orelhões da capital paulistana. Há umas duas semanas, se não me falha a memória, outro colega - Fausto Cabral - redigiu nota sobre o tema para a coluna "De Olho em São Paulo", publicada no jornal O Pasquim 21, e assinada pela equipe da Editor - Edison Paes de Melo.
Como lá o espaço é diminuto, Cabral alertou para o fato. Por sinal, a coluna toda versava sobre sexo, tema esclusivo daquela edição do jornal. Hoje, Sá teve espaço para ir além. Reproduzo aqui na íntegra, com os devidos créditos ao autor e para seus empregadores. Como este blog não tem qualquer fim comercial e o texto está sendo postado muitas horas depois que a versão impressa saiu nas bancas, não acho que o jornal vá se importar. Sei que existem os direitos autorais, coisa e tal, mas a Folha tem preocupações bem maiores do que um mero blog pessoal. Acho até que acaba sendo propaganda gratuita para eles, que também foram meus patrões num passado não muito distante.
Ah, deixemos disso e vamos ao texto, que é muito bom.

O sexo nos orelhões
[por Xico Sá]


O pecado, em todas as suas formas, cores e tamanhos está nos orelhões. "Aline, 18, comigo a palavra proibido foi riscada do meu caderninho logo cedo..." "Fabianne, mulata, rostinho perfeito, dengo, faço tudo, indecepcionável..." Indecepcionável mesmo, seu Pasquale, sem "sic" na linguagem do prazer. São as Guimarães Rosas do sexo pago. Elas ocupam, com etiquetas-anúncios, todos os orelhões da cidade de SP. Nos jornais, o tijolinho sai caro, precisam deixar tudo muito cifrado: "Bia, fç td bb perf c/ bj an/or". Tradução: Faço tudo, bumbum perfeito, com beijo, anal e oral. Virou uma novilíngua medonha.

Nos orelhões, o espaço é de graça e mais democrático. Alcança também aqueles clientes que não compram jornal, pois preferem viver com as suas próprias invenções e mentiras. "Suellen, bumbum empinadinho, recém-chegada a SP, para você esquecer até o desemprego": essa etiqueta, pregada em um telefone nos arredores do Copan, na Ipiranga, tenta pegar os desesperados sob o sol da segunda-feira, o dia em que o Centro ferve as dores dos encostados, dos perdidos e dos considerados obsoletos.

Suellen e a maioria delas cobram conforme a crise: R$ 10. "Pode gozar duas vezes", assim terminam muitos anúncios de orelhões, generosidade para o exército de reserva. É louco, talvez o Contardo Calligaris nos explique, mas o desemprego empurra o homem para masturbação permanente e para a busca louca por sexo. Talvez por isso, nunca o sexo pago chegou a preços tão baixos e ofertas tão franciscanas na capital mais neoliberal do país.

O beijo é outra novidade histórica. Tanto nos jornais como nos orelhões, as raparigas passaram a vender o mimo como um atrativo indispensável. Historicamente, sempre odiaram esse carinho, mesmo que feito de maneira artificial. De certa forma é uma volta à Idade Média, quando, por causa do alto índice de proliferação de doenças, só elas se permitiam, sob a garantia de algumas patacas, ao boca-a-boca. "Anny, coroa fogosa para quem sabe dar valor..." "Adri, porque a vida não é compromisso, a vida é prazer..." "Andrea, bumbum doirado para tardes calientes, toda tua..." Mesmo nos orelhões, a maioria dos anúncios-etiquetas apresentam moças com nomes na letra "A". Herança dos classificados de jornais, quando elas, por causa da melhor visibilidade, adotam heterônimos com as primeiras letras do alfabeto. "Bianca, boneca, para quem acha que sexo é sonho sem preconceito". "Karen & Lucy, mãe e filha, comprove com documentos". "Dupla, pça. República, 100% loira e 100% negra..."

"Demorô, rapaz!", disse eu para o pombo velho, cinza e triste, que cruzou meu caminho ali no Arouche. E segui para o local do último anúncio. Como tinha revisto a "Doce Vida", de Federico Fellini, e acho que todas elas merecem a última gota da minha Veuve Clicquot -mesmo que me desmanche em letras, bicos e "frilas"-, adquiri uma garrafa da viúva ali numa travessa da Vieira de Carvalho e segui aceleradamente. O dia estava tão lindo que a fonte da República virou a Fontana de Trevi, onde joguei meus últimos cobres... Eu era o próprio Alberto Moravia -comunista, safado e elegante.

Subi. Lindas. Um cheiro de Koleston danado na quitinete, acho que a loira tinha acabado de pintar os cabelos para atender ao apelo colado no orelhão. Humano, falsamente humano. Lindas. Botamos a champanhe para gelar. A negra pintava as unhas, uma graça, e vestia uma calcinha amarela bem-comportada. Adoraram a minha falta de pressa, diferentes das meninas do ramo, quase sempre tão neoliberais quanto qualquer taxista ou qualquer resfolegante diretor da Fiesp.

Até que a champanhe gelou... Ah, podemos não viver a bela vida, mas a imitamos, numa cobertura ou numa quitinete, como ninguém!
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Xico Sá, 41, populista do amor, rejeita celular e adora orelhão.

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